No que ela rebateu, de pronto: - Mas, Pai, mesmo nesse dia foi um pouco ruim, né? Os problemas que tivemos no parque aquático, onde você planejou um dia de alegria pra nós e nada deu certo porque tudo por lá se encontrava praticamente fechado e ainda nos trataram mal por querer o dinheiro dos ingressos de volta... Afora o fato de que, duas semanas antes, Dodó sofreu aquele terrível acidente na escola, quebrando os dentes e padecendo no dentista com você e a Mamãe desesperados no dentista... Sem falar ainda no seu nervosismo em relação ao Dil, que parece ter sofrido muitos retrocessos no desenvolvimento do seu comportamento ao longo do mês inteiro...".
Por mais que minha mais velha se expressasse muito bem, sempre fera em Português - Você será uma grande escritora, meu amor lindo!, eu costumava lhe dizer -, estranhei um bocado o acento de muitas daquelas falas, e o uso de algumas palavras, decididamente, não fazia parte do dia-a-dia de uma menina de apenas 8 anos! No que ela, quase que adivinhando os meus pensamentos, afirmou: "- Mas pai, isso já faz tanto tempo, não é mesmo? De lá pra cá, tanta água já rolou: afinal, em 15 anos, eu já vou defender minha monografia na semana que vem, a Dó passou no terceiro ENEM - você sabe, ela quer fazer todos os cursos da Terra... - e o Dil, já namorando e se preparando pra viajar sozinho pela primeira vez, chegou lá, né? E você, sempre tão preocupado com tudo, achando aquele mês de abril difícil, porque tudo de ruim parecia se acumular...".
De um salto corro até o calendário na geladeira e vejo que ela arranca a folhinha de abril de 2034! E percebo também que, com o salto, quase desloco a coluna, no alto dos meus 57 anos (e as costas continuam em frangalhos...). Quando foi que tudo começou a passar tão de repente? Não acreditava que a vida simplesmente tivesse voado daquele jeito: algo estava muito errado! De um aniversário de 5 aninhos meus lindos SuperGêmeos já eram adultos de 20 anos? No entanto, havia mais...
"- Pai, o que deu em você?! Sempre tão cuidadoso e agora quase me atropela com meu barrigão e voa pra cima desse calendário?! Eu não sabia que você queria tanto arrancar essa folhinha... O que é que você tem?! Parece nervoso... Tudo bem que você sempre demonstrou ansiedade, desde meu casamento... Mas já vou pra um ano de casamento com Guilherme e 6 meses de barriga da Lena... Você mesmo achou linda e criativa a homenagem que fiz com esse nome às mulheres fortes dessa família: a Vó-Dinha, a Vó Lena e a Mamãe...". Como assim: eu seria avô?! Mas segundos atrás... O quê? Já é 2040?!
O telefone toca e um lembrete me acorda para o velho 30 de abril de 2019. Eu me viro, esfrego os olhos com os dedos e vejo minha barulhenta prole bagunçadamente espalhada pela casa: a SuperFilhotinha vendo TV, andando de patinete, cantando alto uma musiquinha com uma bonequinha pendurada no pescoço e comendo uvas com a mão de fora do guidom (sempre fazendo mil coisas ao mesmo tempo!); o SuperFilho gritando, bastante irritado com alguma contrariedade, e repetindo frases soltas sem muito sentido - mas, no fim, acalmando-se com um carrinho dos Caça-Fantasmas (ele vai conseguir, se Deus quiser...); e minha ainda pequena e doce primogênita, ao meu lado, criança novamente, falando da alegria com os brinquedos de madeira que compramos de um ambulante, na praia, no final daquela turbulenta manhã do aniversário dos irmãozinhos, como que encerrando sua enumeração de outras coisas boas acontecidas em abril, sorri pra mim e me abraça, lembrando: "- É, papai: não foi tão mal assim...".





