Diários do Papai, 02 de janeiro de 2021
Às vezes, mesmo tendo as melhores intenções, não é possível mantê-las... Vide uma das "regras de ouro" daqui, que acabou tendo que ser remodelada durante o mais que atípico ano de 2020 que acabou de terminar: os jogos eletrônicos ou games, jogados nos celulares e nos tablets aqui em casa somente nos finais de semana, passaram a ser utilizados quase que diariamente (apesar de algum controle no número de horas), em meio a longas sessões de atrações televisivas e raras brincadeiras coletivas - especialmente em relação aos SuperGêmeos, que, em nada se adaptando ao modelo de aulas virtuais em sua alfabetização, tinham muito mais tempo livre que a atarefada SuperFilha e seu quinto ano quase inteiramente remoto! Todos igualmente isolados de mesmo ir brincar no play lá embaixo, no Supercondomínio, evitando quaisquer aglomerações...
E, em meio a tanto isolacionismo, às vezes, por mais que se planeje a vida, a danada vem e nos golpeia com estupefações - por isso nada é mais concreto do que o dito pelo "parente" João Guimarães Rosa (na odisseia poética brasileira Grande Sertão: Veredas): "O correr da vida embrulha tudo. (...) O que ela quer da gente é coragem"... E assim, como no atualíssimo dizer de Belchior, "Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro: Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro", ao longo desse duro e amargo ano de 2020, os Diários do Papai não tiveram suas páginas preenchidas, porque o Superpai aqui acabou por encarar uma quase letal kryptonita real e de massacrantes repetições: tanto a depressão quanto as causas que a circundaram, por muitos meses, modificaram muito do que acreditei nos últimos tempos e, com isso, a colorida vida reconstruída e recontada por meio das crônicas com meus SuperFilhos, infelizmente, acabou se desbotando no arrastar do ano passado, em que me isolei mais do que já obrigava a COVID-19 em relação a todos...
E em meio a esse cenário complicado, tanto no mundo inteiro lá fora com essa bestificante doença (que, por sua vez, evidenciou as insensíveis e desumanas bestas-feras despreocupadas com a pandemia, inclusive no Poder), quanto no microcosmo do mundo interno cá dentro de uma alquebrada SuperFamília, o ideário de morte, pela primeira vez, passou a constar do cotidiano dos SuperFilhos - especialmente depois de Lindinha, a hamster ofertada pelo (sempre difícil) Titio Beto, fugir pelo ralo da sacada e, literalmente, entrar pelo cano, surgindo morta por afogamento num apartamento muitos andares do nosso: pra onde a "alma" do bichinho teria ido (e bicho tem alma, né?)?
E assim, fosse pelos tristes noticiários televisivos da Mamãe, o tempo todo a narrar as milhões de mortes em todo o planeta por causa do vírus, fosse pelas "tias" a ensinar, com esforço hercúleo e remotamente pelas falhentas internets de suas residências, os mínimos cuidados de comportamento que os pequenos teriam que ter dali em diante para não pegar a tão perigosa e mortal COVID-19, pela primeira vez minhas crianças tomavam contato com a ideia da morte para além dos joguinhos virtuais de Among Us ou Roblox - e eu até então me angustiando só com aqueles games cada dia mais descuidados com temas não muito adequados para a criançada, como os "assassinatos" na tripulação e nas mãos do "Marretão" e da "Scary Piggy" dos seus coloridos mundinhos virtuais...
E preocupado com essa crescente perda do lúdico ao chegar ao fim de um ano tão realisticamente pesado, acabei me esforçando recentemente e promovi algumas sessões de cinema caseiro, para desanuviar minha prole com filmes da Disney/Pixar na chegada do Disney+ ao País! Mas qual não foi a minha surpresa quando percebi que a morte também virara o tema favorito daquelas sempre inteligentes e divertidas animações: tanto VIVA - A vida é uma festa (2017), quanto Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica (2020) ou o lançamento Soul (24 de dezembro de 2020, direto no streamming) tratavam do tema do além-vida e lidavam com personagens que ou morriam ou já estavam mortos havia tempos - e perambulavam entre os mundos de lá e de cá... Inevitável surgir, então, as costumeiras enxurradas de perguntas a respeito: "O que acontece com a gente quando morre?", "Pra onde nós vamos?" e "No mundo das alminhas é bonito como nesses filmes?" acabaram sendo as maiores pedidas...
E sem nem lembrar o quão mágico a época do final do ano inexoravelmente já costumava ser, eu naquele momento ainda atordoado com as mentiras e traições do mundo, nem me dava mais conta por causa de minha tão enfraquecida fé... Mas, se o Natal era quando nascia o "menino-Jesus do presépio", de acordo com a SuperFilhotinha (sempre falante), por que então, meses depois, Jesus já estava adulto e morrendo na cruz na Páscoa (e depois ele não voltava a viver outra vez?)?! Apesar de há muito andar distante dos ensinamentos cristãos aos filhos, acabei tendo que me deparar com as consequências de uma escola evangélica (que camufla ensino religioso das igrejas pentecostais sob a máscara da "disciplina" Valores) e tive que ajudar minha confusa garotinha mostrando a ela um pouco da jornada do Cristo desde a manjedoura até a cruz, e o quanto aquelas eram datas criadas pelo homem para falar, anualmente, de um santo que teria vivido, morrido e voltado a viver há milhares de anos, hoje estando ao lado de Deus lá no céu, cuidando de todos nós...
E, enquanto não vem a pergunta "E por que Deus e Jesus ainda não acabaram com a COVID?!", eu vou lutando para me reconstruir pra eles e por eles, que, de repente, já têm mais de 6 e 10 anos e seguem sendo a vida em movimento e em expansão em minha volta, capazes de sempre me ajudarem a espantar qualquer realidade de morte ou de fraqueza diante do que se perdeu pelo caminho... Que não deixou de ser época de se louvar, ainda que já não se acredite como antes se acreditava... Que a magia do Natal e o onírico das alminhas de dimensões coloridas dos desenhos inundem os peitos angustiados dos que sofrem pelas graves doenças, psicológicas ou virais, bem como pelos que foram perdidos... E que os fechamentos de agora - deste pobre e pop Papai ("muito cansado de tanta dor que ele tem", como diria Vinícius) e deste bloguinho - ao menos guardem em si mesmos o melhor que já fizeram e reuniram: por isso, encerrando suas atividades, os 10 anos de Diários do Papai seguirão no ar mesmo sem novas postagens, vivos pela eternidade virtual dessas minhas crianças que vão continuar crescendo, acreditando na remissão de novos dias melhores e ensinando a criança de dentro do seu velho pai a viver... Sempre...








